- Ana Andreiolo
Testemunho
Este é o ano de 2023, década de 20 pp (pós-pandêmico) e as empresas que dominam sistemas e tecnologias têm mais capacidade de acumular bens e capitais do que muitos países. O ser humano é uma força de produção e trabalho, dominada por empregos sob condições precárias, informais e temporárias. O indivíduo tem seus dados explorados 24/7 por sistemas de redes digitais e mídias sociais de massa que extraem suas características e comportamento humano para gerar dados, conteúdo e informações que alimentam o ciclo de vastos acúmulos de riqueza dos dominadores das tecnologias.
Um sistema neofeudal de senhores e servos assegura uma desigualdade social acirrada e de alto contraste.
As corporações são as novas mineradoras, que utilizam o extrativismo tecnológico e apresentam o poder equivalente a um estado soberano, infiltradas na rotina, nas necessidades e atividades humanas.
As lacunas são ocupadas por milícias, mercados clandestinos, poder paralelo, extrema direita e conservadores gananciosos que executam a outra ponta, de onde as mercadorias são manuseadas, embaladas, costuradas, fabricadas e transportadas.
As disparidades entre classes sociais crescem a partir deste poder centralizado nas corporações em torno de seus monolitos de plataformas tecnológicas.
A hora do mundo é ditada por protocolos de segurança e servidores de internet. Nossos corpos são espalhados pelo espaço-tempo em múltiplos avatares assincrônicos gerando intensas crises de identidade, desconexão corporal e confusão mental. O bioma artificial sufoca os poros, é asfixiante. As funções neurais exercem novos esforços e mutam, alterando nossos hormônios, ph etc.. O metaverso parece ser o avesso dos nossos corpos. Nossos desejos são processados, mastigados e encriptados. As redes criam raízes mais profundas em nós.
Os extremistas tem o poder, e manipulam algoritmos. Evocam grupos neonazistas, legimitam a violencia, criam patrulheiros. O comportamento de patrulha e vigilia tem se espalhado como um vírus. Criamos um cerco para nós mesmos e para o outro. Nossas mentes estão moldadas pela crítica exacerbada e pela desorientação somada a perda de sentido.
Entretanto, ao observar outros organismos vivos coletivistas percebemos que a saída de fuga e sobrevivência acontece em redes descentralizadas e encruzilhadas.
Corpos já são terrenos conquistados, anestesiados, ciborgues, cheios de vitaminas artificiais, mentes são territórios a serem explorados. Cérebros começam a ser moldados para perder o foco, para dispersar o trajeto do pensamento interrompidos por anúncios, posts patrocinados, call of action. Nossas relações são dirigidas por cálculos e relevância algorítmicas, salpicadas pela interferência de produtos e imitações, mais conhecidas como memes ou unidades de informação viralizantes e compartilháveis. Mergulhados em uma piscina de diálogos e imagens memetizados, consumimos gigabytes e regurgitamos as mesmas ideias.
O servidor de internet não nos serve mais, somos
nós que servimos a ele, somos alimento-base desta cadeia piramidal fágica.
A virtualização se desdobra na desconfiança da realidade. O real e a verdade perderam solidez e fundamento, tudo está suspenso na nuvem. Acordados vivemos num reino celestial. Dormindo, habitamos o sonho. O capitalismo invadiu o sono, como diria Jonathan Crary.
O movimento do nosso corpo é calculado por dispositivo externo inteligente e tecnológico. Contamos passos e batimentos cardíacos como gabaritos. São os famosos apple watch e smatphones que hoje nos rastreiam
e nos mantem sob um poderoso GPS.
A palavra globalização não abarca os fatos e a complexidade imperativa da centralização tecnológica. O pensar não é mais global, nem local, nem somente ambos, é ambíguo, multifacetado, fragmentado e fractal.
É imperativo descentralizar.
Nos preocupamos excessivamente com o fim, com a catástrofe, com o apocalipse e com a morte de nossos corpos enquanto artificializamos a natureza. Resguardamos um corpo isolado e não salvamos a mente.
Diversidade e multiplicidade são uma ilusão no sistema centralizado e absolutista. Não é sobre ditaduras políticas, mas uma tecnopolitica, necropolítica e tecnoeconomia ditadoriais.